Leme

Marcia de Moraes

27 Jul - 11 Sep 2010

© Marcia de Moraes
No tempo da delicadeza I, 2010
Graphite and colour pencil on paper
95 x 115 cm
MARCIA DE MORAES
"Personne"

July 27 - September 11, 2010

Tormenta agridoce by Mario Gioia

“Jamais poderei renunciar ao sentimento de que aí, encostado à minha cara, entrelaçado nos meus dedos, existe algo como uma deslumbrante explosão em direção à luz, uma irrupção de mim para o outro e do outro em mim, algo infinitamente cristalino que poderia coagular e transformar-se em luz total sem tempo nem espaço. Como uma porta de opala e diamante a partir da qual se começa a ser aquilo que se é verdadeiramente e que não se quer e que não se sabe e que não se pode ser.”
(O Jogo da Amarelinha, Julio Cortázar)

O lance de dados e as possibilidades múltiplas, elementos destacados por Ari Roitman sobre a obra-prima do belga-argentino radicado em Paris Julio Cortázar (1914-1984), em texto de apoio de O Jogo..., podem ser apreendidos na complexa visualidade dos desenhos de Marcia de Moraes, inclusive em Rayuela, obra que pode ser considerada um dos possíveis fechos de Personne, primeira individual em galeria da artista paulista, em cartaz até 11 de setembro na Leme, em São Paulo.

Rayuela, como se sabe, é o título original (e muito mais interessante), em espanhol, de O Jogo da Amarelinha. No trecho citado acima, é perceptível a habilidade do escritor na criação de ambientes incrivelmente únicos e, ao mesmo tempo, dotados de chaves de leitura multifacetadas por natureza. A linguagem imersa em um caleidoscópio que pode ser vertido em letras e, por quê não, em um código visual. Rayuela, como a artista alerta, é um título que vem depois da elaboração completa do trabalho _neste caso, um hábil costurar de formas de 1,50 m x 1,50 m, com cores não tão usualmente empregadas por Moraes, como o amarelo e o laranja. Tais tons ajudam a mixar despudoradamente figura e fundo _este último, próximo do bege, o que confere ainda menos assepsia à composição.

O arrebatamento plástico proposto pela artista também se estende ao díptico que dá título à exposição, de 1,91 m x 1,63 m, em que o azul e o bronze predominam, e a O Vermelho e o Negro, que já captura o visitante logo na entrada do espaço expositivo, principalmente por seu intenso vermelho, desarticulador da rigidez do antigo galpão fabril, e pelas estranhas formas que lembram flores, estas apenas delineadas pela pressão detida do grafite sobre o papel, tangenciando o centro da composição. “Foi um pouco como se também a flor me olhasse, esses contatos, às vezes... Você sabe, qualquer um os sente, isso que chamam a beleza”, escreve Cortázar no conto A Flor Amarela.

O azul de La Ciudad de la Furia _de 1,50 m x 1,17 m_, o púrpura mais horizontalizado de El Amor en los Tiempos del Cólera _de 0,99 m x 1,24 m_ e, com vigor, o verde de de La Vida Es Sueño 2 _de 1,75 m x 1,50 m_, dão continuidade ao projeto ambicioso proposto por Moraes. “Há quem diga feliz _A vida é bela/ Há quem estenda sua mão até uma estrela/ E a espere com doce entusiasmo”, frisa a suíço-argentina Alfonsina Storni (1892-1938) no poema Festa.

No entanto, a artista não se acomoda e, inquietamente, traz novos horizontes à sua poética. No Tempo da Delicadeza, primeira e segunda versões, agregam a placidez do papel branco como superfície e, em contraste com o dourado, o salmão e o vermelho, apropriam-se com mais clareza dos vazios e criam uma fusão menos expandida e que “negocia” mais com os limites retangulares do suporte. Formas anteriormente abundantes nas obras de Moraes, como os pequenos círculos, desaparecem de sorrate. A delicadeza pretendida pela artista já no título dos dois trabalhos é resultado de uma obra que agora dialoga mais incisivamente com o pictórico. As peças, enfim, estão dispostas em um tabuleiro visualmente sedutor. “O sonho estava composto como uma torre formada por camadas sem fim, que se ergueram e se perderam no infinito, ou desceram em círculos, perdendo-se nas entranhas da terra. Quando me arrastou em suas ondas, a espiral começou e essa espiral era um labirinto. Não havia nem teto nem fundo, nem paredes nem regresso. Contudo, havia temas que a repetiam com exatidão.” (Winter of Artifice, Anaïs Nin, trecho transcrito por Cortázar em O Jogo da Amarelinha).
 

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